segunda-feira, 22 de março de 2010

O Vôo do Aspirante Normando

A história nos mostra que, surpreendentemente, Santa Luzia teve grandes destaques no pioneirismo dentro da aviação brasileira.

Uma forte ligação entre a aviação, Santa Luzia e pioneirismo.

No dia 16 de agosto do ano passado, 2009, o Jornal União publicou uma matéria, em seu Caderno Especial, de autoria do Jornalista santaluziense, Ângelo Medeiros, intitulada de: Especial Gilberto Araújo – Nascido para voar

A rede Sertão PB criou uma página especial para apresentar a reportagem.

Confira: Gilberto Araújo da Silva

Recentemente, chegou em minhas mãos, trazida pelo ex vereador Anchieta Lima, uma outra história de um também paraibano, natural de João Pessoa, porém, filho de santaluzienses.

Um aviador, assim como Gilberto Araújo da Silva, que teve seu nome marcado dentro da história da aviação brasileira, Normando de Araújo Medeiros.

Curiosamente, ambos, escaparam de um terrível acidente, cujas proporções, ganharam destaque mundial, a exemplo do desastre que ficou conhecido como "Desastre de Orly", em 1973, na França, ocorrido com Gilberto Araújo, como piloto da aeronave.

Posteriormente, Gilberto Araújo desapareceu em outro provável acidente, em janeiro de 1979, 30 minutos após a decolagem em Tóquio, cuja aeronave e tripulação, até hoje encontra-se desaparecida.

Notem: Ambos têm Araújo em seus sobrenomes.

Existe uma piada que diz: “Quem vem do mar é Marujo, quem vem do ar é Araújo”.

Piadas a parte - Coincidências ou não, ambos tem raízes em Santa Luzia, ganharam destaque dentro da aviação brasileira como pilotos, e foram vitimas de acidentes, cujas proporções, ganharam destaque mundial.

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Leia:

Acompanhe conosco a reconstituição da ejeção do número 4 da Esquadrilha Copas,em 1961, no litoral cearense. O autor narra como observou do alto a emergência com o F-80 do então Aspirante Normando, até os momentos finais do seu pouso forçado nas areias de Aquiraz. Complementando, o próprio piloto do jato acidentado traz novos elementos sobre aquele marcante episódio,onde as chamas que brotavam da aeronave fizeram com que acionasse seu assento ejetável.

A Primeira Ejeção no Brasil

Matéria publicada na Revista Força Aérea – 1961 - Ajax Barros de Melo

Cabeceira da pista 12, Base Aérea de Fortaleza, idos de 60. Quatro aeronaves de Caça F-80C Shooting-Star em posição de decolagem. Pintura prateada esmaecida pelo tempo, são aeronaves de combate com emprego na Guerra da Coréia. Quantos desses quatro estiveram por lá? Não sei, possivelmente todos; agora prestam serviço no 1o /4o G.Av. na instrução e formação de novos Pilotos de Caça para a Força Aérea Brasileira. Ás, 2, 3 e 4, código rádio “Copas”, como manda o figurino.

Paro meu avião fora da pista, perto do número 4 e fico olhando o espetáculo. Balançar dos ailerons, 96% de RPM no avião líder, as rodas do nariz sendo comprimidas ao solo, barulho ensurdecedor. Vale recordar, para quem voou esse magnífico avião, o último cheque antes da decolagem: “RIPAVI” (Relógio, Instrumentos, Pressão hidráulica, Amperímetro, luz Verde de transferências acesas – ou seria luz do compensador em neutro? –, Ignição no ar). Lembram?

Saem os dois primeiros e em seguida os outros dois, o segundo elemento. A TWR me autoriza a tomar posição e decolar quando pista livre. Fecho o “canopy” e vejo através do visor a esquadrilha deformada pelos gases de exaustão, sumindo, ganhando altura, curvando à esquerda, lá vão eles... O no 3 com o no 4 na ala, cortando o que pode, juntada rápida, estão em forma. É muito bonito!

Éramos uns privilegiados e não sabíamos. Ainda hoje me arrepio! Já estou na corrida, saio do chão, embalando a máquina, não faço curva, vou direto para Aquiraz, estande de tiro terrestre (TT), nas imediações de Fortaleza.

O meu vôo é um pedido da “manutenção’’, vôo EEXD (experiência diurna), checagem de alguma discrepância corrigida, mas pretendo passar na “barrica’’ e cumprimentar nosso companheiro “Onça’’ ( Ten. Av. Carlos Alberto da Cunha e Menezes), ali de serviço nesse dia. Aliás, sobre o serviço de “barrica”, alguém algum dia vai ter de contar, detalhadamente, como era gratificante, agradável, após um dia de instrução, ver no Quadro de Operações ao lado de seu nome uma plaqueta com os dizeres, “Barrica’”.

Estou falando de “barrica” no tiro aéreo! Esta atividade era de fazer inveja aos protagonistas do "Cirque du Soleil". Quem entrou naquele B-25 do 1o/10o G.Av. de manhã e saiu vivo à noitinha sabe do que falo. O B-25 carregava um estoque infinito de birutas e após o encerramento da missão, regressava à Base, não pousava, fazia uma passagem a 500 pés, soltava a biruta e ia novamente para o PI (ponto de início) acompanhado por nova Esquadrilha.

E começava tudo de novo... Acontecia de tudo naquele evento, desde balas passando perto até reboque de B-25 por F-80 via cabo da biruta! Sem falar no frio, confortavelmente instalado num caixote de pau, na cauda da aeronave, sem pára-quedas, (pra que?) uma garrafinha de água mineral “Santa Inez”, um pão dormido e uma maçã azeda do “aratacal”. Iguarias fornecidas pela Base para “os caras do caça”. Era demais!!!

Passo embalado ao lado da “torre de controle de Aquiraz’’, código rádio “barrica", informando que aquela passagem é uma homenagem à “barrica”, onde meu colega o “ONÇA’’ ali estava com seu auxiliar o aspirante aviador Marconi (Mac Bill), cerimonial corriqueiro à época.

Para as novas gerações, vamos dar uma idéia do que consistia esse serviço. Escalados de véspera, decolávamos de FZ, aeródromo internacional do Alto da Balança na madruga, ajudados por nosso companheiro, o auxiliar de barrica como disse, um Aspirante Aviador. A “viatura’’, um Fairchild PT-19, o qual após 35, 40 minutos de vôo pousa em Aquiraz, campinho esse não internacional longe das condições de ser chamado aeródromo. Abríamos o estande, preparávamos os alvos e guarnecíamos uma torre improvisada, mal dando tempo para subir as escadas, pois a primeira Esquadrilha. do dia já estava chegando.

Durante o dia inteiro controlávamos as missões de Tiro Terrestre (TT), Ataque com Foguetes (AF), Bombardeio Picado (BP) e Bombardeio Rasante (BR). A fase mais difícil era o cômputo dos acertos no TT. Cinco alvos, quatro oficiais e mais um reserva (alvo alternativo) deviam ser conferidos com perfeição e rapidez. Assinalando os furos dos acertos com uma vara enorme em cuja ponta a 90 graus, existia um pincel molhado numa lata de tinta a fim de impedir dupla marcação na missão seguinte. Medieval e cansativa, porém eficiente.

O regresso para a Base, cansado, queimado e com fome, portando os registros dos acertos no TT, BP e BR, era em torno das 17 horas, às vezes, com sorte, trazendo um peixe, oferta dos pescadores locais. Abandono a área, subo para uns dez mil pés e mantendo a freqüência do “Barrica’’ ouço o papo rádio e identifico seus componentes, Ás de Copas Meira, 2 Blower, 3 Trompowsky e, Normando 4 de Copas.

Prosseguia nos meus afazeres quando escuto alguma coisa como “flame-out” ou “perda de potência” referentes ao avião do número 4, Ten. Normando. Imaginando um possível acidente, um pouso de emergência, inicio um mergulho na direção do stand, onde avisto um F-80 voando paralelo à praia deixando um rastro branco, parecido com fumaça ou vapor, aparentando combustível não queimado. Tento alcançá-lo, entrar em sua ala sem atrapalhar, mas estamos ainda um pouco afastados.

Chegando perto, já posição de ataque no 2, vejo que está bem baixo, trem em cima, capota fechada e penso, vai pousar na água, na arrebentação, o que acontece. Aí então, em segundos me vem a lembrança do pouso no mar do Cap. Pralon, anos atrás quando servíamos em Santa Cruz. Agora vou ver ou antevejo a cena seguinte só que agora não é um T-6, não é um capitão experiente, não é na cabeceira da 02 de RJ. É em Aquiraz, longe de tudo, um garoto, um aspirante e me imagino em seu lugar. O que fazer? Ejetar? Naquele tempo não havia essa de ejetar, nem sei por quê.

A primeira ejeção no Brasil foi anos depois, de T-37C em Pirassununga com o Reny e o Leão, ambas com sucesso. Vejo a cabeça do piloto, deve estar a mais de mil... Sem potência, naquela máquina, o mar chegando... Não fala nada, deve ter desligado a bateria, daí o “canopy” fechado, sei lá! Que sufoco, não posso ajudar, só olhar e esperar... A luta pela sobrevivência dentro daquele minúsculo habitáculo deve ter sido violenta, mil coisas a fazer, certas, irreversíveis e, muito provavelmente, com bastante fumaça na cabine. Será que colocou o oxigênio em 100%, os cintos travados, soltou o pára-quedas, desconectou o bote, não vai ejetar o “canopy”? E aquele tremendo visor fixo a um palmo do nariz? Penso rápido, o que EU faria?

Meu Deus, ele vai bater!

Tudo é muito rápido, mas deu para ver seu avião ser envolvido pela água, partindo em vários pedaços, muitas ondas, espuma branca, vapor d’água, havia chamas em toda a área. Subo, reverto para nova passagem e avisto apenas destroços e mais chamas, sem sinal do piloto. Curto de combustível e emocionado pelo que vira, regresso à Base informando possivelmente perda total pessoal e material.

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Bequilha - Foto

Mais tarde, corre a boa nova: um milagre, o piloto, Tenente Normando de Araújo Medeiros, estava vivo e sendo medicado no posto médico da Base! Ao visitá-lo, na enfermaria da Base, eu o vi de longe muito feio, desnudo, sentado num banco de ferro, braços abertos em cruz, todo queimado, o corpo coberto de um ungüento protetor completamente lambuzado. Pensei “esse não vai longe”! Mas foi, foi para Recife. Dois ou três dias depois, transportado em um C-54 da FAB, nosso companheiro é internado no Hospital de Aeronáutica do Recife onde, bem tratado, permaneceu longo tempo até sua alta. Após, segue para sua terra natal João Pessoa onde continua por mais cinco meses em recuperação.

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Cabine - Foto

Voltou a voar, tendo atingindo muitos anos depois o posto de Major Brigadeiro do Ar, especializado na área de proteção ao vôo, o atual DECEA. Alguns detalhes, sorte, que o ajudaram a se salvar:

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Empenagem - Foto

Naquele dia um jipe das endemias rurais fazia uma inspeção local não sei em que... Seu motorista assistiu ao acidente e consta ter sido enfermeiro da, ou na, Base Aérea durante a guerra e conhecia primeiros socorros. Com a ajuda de pescadores retirou o piloto das águas, colocando-o de modo correto no jipe, levando-o para a Base. O piloto após a amerissagem e com a capota a meio curso ejetou-se dentro d’água, como disse, deu sorte! Esta façanha, não será repetida. Depois de colocado no jipe, deitado no banco traseiro, foi levado em direção à Base Aérea. Durante o longo trajeto, cruzou com uma ambulância que havia se deslocado para o local, na qual então passou a receber os primeiros socorros. Mais uma vez, a sorte a seu lado.

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Cauda - Foto

Alguns pormenores interessantes:

- ONÇA, desesperado, também a tudo assistiu, mas de longe! Não chegou a tempo. Sua “viatura”, um jerico, apanhado nas imediações, aos primeiros metros afundava nas areias de Aquiraz e recusou-se a andar, obrigando nosso colega a terminar o percurso a pé e ofegante.

- Consta que tiveram uma altercação, tendo a “viatura” sido agredida por falta de colaboração.

- Na ausência de meios adequados, o desembarque do paciente em Recife foi feito por uma empilhadeira!

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Motor - Foto

O Brigadeiro Normando, consultado, participou desse relato, contribuindo com fatos e fotos esquecidos no tempo.

Normando de Araújo Medeiros

Turma de 1961

Normando de Araújo Medeiros

Ilustração (Arte de Daniel Uhr) – Primeira Ejeção realizada por Piloto da Força Aérea no Brasil

Fotos: Arquivo Anchieta Lima

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